Nesse cenário vemos como a combinação de baixa tecnologia e alta participação social criam um novo tipo de agente socioambiental e como novos conflitos entre humanos e meio ambiente podem emergir.
A reunião já começou tensa. Carmem leu e releu a proposta da Praia, mas não conseguiu enxergar como seria possível reduzir a pegada humana daquele ecossistema em 40% ainda naquele ano. Ela mexia e remexia os papéis, olhava para o comitê, incrédula. Da janela da sala do centro comunitário ela podia ver a praia, o mangue, as dunas e o resort, todos perfeitamente integrados ao meio ambiente. Vila Paraíso era o nome que os humanos davam para a comunidade, parte jogada de marketing para atrair visitantes, e parte reconhecimento do equilíbrio sócio-ambiental atingido no local em 2040. Mas o lugar tinha outro nome, muito mais relevante para a reunião: Praia do Mangue das Pedras P.A. A sigla era de “pessoa ambiental” e na frente de Carmen, os advogados da Praia estavam prontos para forçar as exigências do cliente.
“Alguma dúvida, senhora Carmem”, perguntou um dos advogados.
Dúvida? Nenhuma. “Só tenho a certeza que isso é impossível de ser realizado. Vocês estão praticamente nos despejando”, disse Carmem batendo o punho na mesa.
“Não é do interesse da Praia que haja qualquer prejuízo aos seus ocupantes humanos, senhora Carmem. Mas a senhora há de lembrar que o reconhecimento legal da Praia do Mangue como pessoa ambiental em 2033 previa a revisão da ocupação e redução da presença humana em cinco anos. A Praia acatou o pedido da Vila e postergou a revisão do acordo por quase dois anos. A natureza exige que seus direitos sejam preservados.”
Carmem segurou a cabeça entre as mãos. Havia sido uma luta para negociar a extensão do prazo. A ironia é que ela mesma tinha brigado pela conversão e reconhecimento do antigo parque Praia do mangue das Pedras em pessoa ambiental. Ela mesma havia redigido o manifesto pelos direitos da praia. O direito de existir, o direito de seguir seu curso natural, o direito de usar seus recursos em benefício próprio. “Nós respeitamos os direitos da Praia. Pelo amor de Deus, nós ajudamos a Praia a existir. Nós protegemos ela de quem quer só explorar suas riquezas”, disse Carmem.
“Com todo respeito, senhora Carmem, mas a Praia não precisa da tutela humana para garantir sua existência”, disse uma outra advogada. “A Praia é perfeitamente capaz de cuidar de si mesma e a tentativa de intervenção da comunidade só faz atrapalhar as coisas. Além disso, tem a questão do direito de seguir seu curso natural.”
Carmem olhou a advogada e franziu as sobrancelhas. “Não sei se compreendi.”
“O resort ocupa um espaço na praia que impede o fluxo natural da maré. Nos últimos cinquenta anos, a linha da praia foi modificada cerca de trinta metros para o sul. A Praia tem tentado reaver o local, mas não tem obtido sucesso.”
“Vocês estão falando das enchentes?”
“Enchentes são a forma da Praia recuperar seu espaço naturalmente. Isso sim seria despejo. Mas a Praia reconhece que essa não é a melhor forma, mas quer tentar uma nova abordagem.”
Carmem olhou para a papelada. De repente, ela entendeu. Não era um despejo, mas uma negociação agressiva. Carmem ao mesmo tempo sentiu alívio e apreensão. Talvez os termos fossem suficientes para manter a ocupação do ecossistema. “Vocês querem demolir o resort”.
Um terceiro advogado se debruçou sobre a mesa e abriu uma pasta. “A Praia. A Praia exige que o resort seja demolido.” O advogado então retirou um documento da pasta e o deslizou em direção a Carmem. “Entre outras coisas.”
No novo documento, Carmem pôde ler “Programa de Decrescimento Sustentável e Regeneração da Praia do Mangue das Pedras” em letras garrafais. Rapidamente, ela leu tópicos como restituição da praia, redução da população, cotas de gasto de energia e pesca e aumento significativo de impostos de ocupação. Carmem ergueu o olhar do documento em direção aos três advogados. “Há espaço para negociar esse plano?”
“A Praia tem todo interesse em ajudar seus ocupantes”, disse a advogada.
Mais um suspiro. Talvez ela consiga zerar a redução de população, implementar controle de natalidade, essas coisas. Talvez ela consiga convencer a Praia de que a Vila deveria se tornar parte da pessoa ambiental. Talvez. “Eu vou levar a proposta para assembleia da Vila.”
“A Praia tem certeza que podemos chegar num acordo sustentável.”
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |